Autofagia
O autófago aqui sou eu, que desta terra tem de comer aço,
pra produzir comida e defecar dinheiro./ Andar sem passo, correr sem medida,
pedir sem vergonha, se esfolar sem medo./ Eu que costuro chumbo da bala em seus
entrecortes de corpos, e costuro os cortes da navalha de zinco ,/ que o seu Zé
recebeu, porque não deu fiado na pinga, e o degenerado o venceu na rapidez do
fio, da navalha afiada, na altura do pescoço e do vício./
Autófago aqui, sou Eu
que ergo paredes no meu muro interior, e compro revolver pra me armar contra o
pó, contra a coragem dos dias, que mandam hoje mão vender filha sem dó,/ contra
a prostituição de um governo que cala a verdade, promove a impunidade, pra
fazer a carreira de PÓder na cidade. Ah! Cidade.
Autofagia, pra quem não sabe, é o ato de comer-se a si
próprio, devorar-se ao pó dos dias,/ fiar-se horas degustando TV, engolindo um
prive, prevendo o próximo michê./ serei eu o próximo a lidar com minha carne,
devorar-me de inteira burrice por falta de alimento crítico, de alento ideológico;
por falta de um líder político?/
Devorei eu aprender a ser miserável e me alimentar de minha
própria carne e egoísmo banal; como bem me educam no açougue de nossa justiça
vertical?/ que de cima pra baixo, nunca tem famoso líder político que seja bandido;/
é sempre o preto, o pobre, a mulher, o viado, ou qualquer vagabundo fodido, da
vida pública a ser banido./
Autofagia da
sociedade é o vício entregue de bandeja a quem não tem prato;/ sirva-se de seu
próprio pedaço no consumisimesmo,/ a fome do autófago aqui é do tamanho da
informação: se tem comida, a barriga cala antes mesmo da primeira garfada,/ se
não tem, a cabeça pesa antes mesmo da primeira gofada./
Alimentam-nos dos
mesmos sonhos e dramas, novelas indianas, ainda que não se saiba se a Índia existe,
e é fama./ ou de qual delas falamos./ pois a Índia que visitei em uma viagem
austral, há anos, há fome que não é ilusão,/ ela impera no estômago do mundo e
no CU da televisão.
Rogério Coelho