sexta-feira, 15 de agosto de 2014

A poesia não se compete, mas em si, compete!

Aos Poetas e amantes da poesia... Vem aí o Slam Clube da luta


O primeiro Slam de BH tem a honra de convidar a todos para o confronto: A poesia não se compete, mas em si, compete!
Dia 28 de agosto, na sede do Grupo Espanca acontece a primeira edição do Slam Clube da Luta.
O Slam é um campeonato de poesia, criado nos Eua na década de 80. A competição se espalha pelo mundo inteiro há alguns anos, e tem uma final mundial anual realizada na França. http://www.grandslam2014.com/ . No Brasil, o Slam começou po São Paulo, onde há vários grupos que inspiraram o movimento por aqui. O SLAM do 13, Menor SLAM do mundo, ZAP! Slam, são alguns dos slams de São Paulo. Este ano, Emerson Alcalde de SP foi à França e conquistou o público e o segundo lugar na Copa do Mundo de poesia.

Grand Slam de Poésie 2014
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O que é o Slam?

Poesia oral-encenada, Teatro pela palavra, ato político performático, luta, competição, incentivo à escrita compulsiva, performance, palavra pela palavra, palavra pela voz...

Muitas definições por natureza envolvem este movimento, em que cada qual escolhe como definir. O que nos vale é sempre a atitude da palavra aberta, que agrega vozes marginais, periféricas, de amores, de dores, de corações, de todos os temores e coragens mil!

A voz como instrumento do corpo!

À luta, à voz!




segunda-feira, 19 de maio de 2014

Saraus no Estado de Minas

Saraus de poesia se espalham por BH e conquistam público diversificado

Temas apresentados vão da política ao cotidiano. Encontros acontecem em bares, praças e até cemitérios


Ana Clara Brant - EM CulturaPublicação:18/05/2014 00:13Atualização:18/05/2014 12:55
‘‘Aqui não precisa ser convidado. É bem democrático. É só chegar e recitar. Todos, sem exceção, têm voz”, assegura o poeta, compositor e um dos idealizadores do Sarau Vira-Lata Kdu dos Anjos. A iniciativa, que é realizada em ruas, praças, museus, bibliotecas e centros culturais de Belo Horizonte, é apenas um dos saraus periféricos que tomam conta da capital e Região Metropolitana. Ao lado de exemplos como o Coletivoz, Sarau Comum, Apoema e Cabeçativa, eles dão voz aos poetas da periferia, além de serem uma forma de exercer a cidadania, ocupar o espaço urbano e mostrar a arte que produzem.

Até quem está acostumado a organizar encontros literários em locais mais centrais da cidade, como o poeta e editor Wilmar Silva, curador dos projetos Terças Poéticas – que está completando 10 anos – e do Café com Poesia, reconhece a importância das iniciativas. “São acontecimentos críticos, criativos e periféricos em todos sentidos: ficam às margens. Para essas comunidades, é importante, porque está sendo realizado lá e leva as pessoas para lá. Há esse deslocamento da arte. O que é bom e grande só pode ser apresentando no grande teatro? Muito pelo contrário. Pode acontecer em qualquer lugar. E esses encontros periféricos estão aí para provar isso”, salienta Wilmar.
Encontros do Sarau Vira-Lata, na sede do Grupo de Teatro Espanca!, reúne público no centro de BH (Pablo Bernardo/Divulgação)
Encontros do Sarau Vira-Lata, na sede do Grupo de Teatro Espanca!, reúne público no centro de BH

Um dos pioneiros em BH é o Coletivoz, criado em 2008, realizado uma vez por mês no Bar do Bozó, no Valé do Jatobá, no Barreiro. O público é heterogêneo, formado não só por gente da região, como de outros bairros periféricos. Os textos também são de diversos estilos e assuntos. Falam de temas ligados à periferia, como política, injustiça social, opressão, mas também de amores e do cotidiano. “É natural que a vida social e política interfira na vida artística, mas o sarau não é monotemático e o perfil dos poetas é variado. Mas como há muita gente do rap frequentando, e política é algo muito forte entre eles, é natural que esse tema surja nos textos”, analisa o poeta e um dos articuladores do Coletivoz Sarau de Poesia Eduardo DW.

Num pequeno palco, com um microfone aberto a quem quiser declamar, seja um texto próprio ou de outro autor, o evento costuma reunir de 40 a 50 pessoas. Mas há ocasiões, como nas férias e quando o sarau recebe atrações especiais e convidados, que o público pode chegar a 80 interessados em ouvir poesia.

Emoção A dona de casa Kátia Leal, de 50 anos, é uma das que sempre que pode bate ponto no encontro literário. Moradora da região, ela estava passando na porta do Bar do Bozó, há três anos, quando se deparou com uma faixa anunciando o sarau. Desde a adolescência, ela sempre gostou de escrever e costumava presentear amigos e parentes com seus textos. “Mas ninguém se importava muito. Até debochavam. Nunca valorizaram”, lamenta.

Os escritos de Kátia abordam temas como racismo, Lei Maria da Penha, pessoas especiais (ela é mãe de um menino hiperativo) e drogas, entre outros assuntos. Quando começou a frequentar o Coletivoz, tinha apenas três textos guardados. Hoje, são quase 30. Na maior parte das vezes, costumar ler seu trabalho autoral, mas, vez por outra, apresenta poema de um autor de sua preferência, como Vinicius de Moraes. Aliás, ler não. A dona de casa faz questão de falar de cor. “Dessa maneira acabo interpretando um personagem. Se ficar lendo no papel, não passo a mesma emoção”, justifica.

O sarau promovido pelo Coletivoz é uma espécie de terapia e válvula de escape para ela. Separada e mãe de três filhos, Kátia enfrentou momentos difíceis na vida, entre eles dois cânceres que teve que tratar, e é ali, no momento de se entregar à poesia, que ela se liberta. “Esse encontro significa muito para mim. Fico até emocionada de contar. Por isso, acho que todo mundo aqui da região devia valorizar iniciativas como essas”, frisa.

 Pesquisa
O psicólogo Otacílio de Oliveira Júnior, que está fazendo doutorado em psicologia social, também é um frequentador do Coletivoz, o que acabou despertando seu interesse em desenvolver um estudo sobre o evento. “Bateu um desejo de mostrar a produção artística da periferia. A arte como ação coletiva. Estou no começo da minha pesquisa, mas quero abordar temas como a construção do texto para o sarau, o sentido que isso tem para os poeta, o que esse espaço pode contribuir para os textos e para as performances dos artistas, entre outros assuntos”, explica.

Outro aspecto que tem chamado a atenção de Otacílio é a relação entre o palco e a plateia. Enquanto aproveita para declamar seus poemas, ele observa o que se passa no evento. “Venho aqui há um ano e sempre leio algo meu. Acho bem bacana essa coisa de a plateia ser o palco e depois a coisa se inverter. Esse compartilhamento é bem interessante e rico”, destaca.

Um dos saraus que mais têm gerado frutos é o Vira-Lata, criado em agosto de 2011 em Belo Horizonte, e que se expandiu para Sabará, Juiz de Fora, Uberaba e Barbacena. Ele costuma ocorrer quinzenalmente, mas não tem um lugar fixo. Já teve como sede a Praça Raul Soares, a Floresta, o Morro das Pedras, a Praça Floriano Peixoto e até a porta do Cemitério do Bonfim. Um dos idealizadores, Kdu dos Anjos conta que basta marcar dia e local, seja pelas redes sociais ou pelo boca a boca, que o público aparece. “Às vezes reúne 10 pessoas, e, em outras, de 200 a 300. No fim, sempre tem a tradição de latir se a poesia for boa. Vira-Lata é rua, é diversidade de raças, de classes. É mistura”, sintetiza.

Rogério Coelho, um dos organizadores do Coletivoz, declama versos no Bar do Bozó, no Vale do Jatobá
 (Marcos Vieira/EM/D.A Press)
Rogério Coelho, um dos organizadores do Coletivoz, declama versos no Bar do Bozó, no Vale do Jatobá
Poesia convida outras artes
A maioria dos saraus periféricos de poesia que surgiram em Belo Horizonte teve origem no Coletivoz. E de um ano para cá, pipocaram por vários bairros e cidades. “Houve uma necessidade de se criar referências culturais em outros espaços geográficos da cidade. Muitos dos criadores de saraus que estão espalhados por BH e Região Metropolitana saíram daqui. Além do mais, um evento como esse não precisa de grande estrutura. É muito importante você ir em um lugar onde sua voz pode ser ouvida, se sentir um agente construtor”, comenta um dos articuladores do Coletivoz, Rogério Coelho.

O Sarau Comum, que é realizado no Espaço Luiz Estrela, em Santa Efigênia, é um desses exemplos. O coordenador, Betto Fernandes, diz que a capital mineira sempre foi extremamente literária, mas nos últimos meses tem percebido uma ebulição ainda maior. “Neste ano os saraus que já existiam estão se expandindo, criando filhotes, seja aqui ou no interior. E o interessante é que, não sei se pelo fato do momento histórico que estamos vivendo, com essa angústia e insatisfação que estamos passando, os textos estão batendo muito na tecla de injustiça, da Copa do Mundo, das contradições do capitalismo, dessas questões mais revolucionárias”, analisa.

Betto lembra que o evento, assim como os demais saraus em BH, não se restringem à poesia e abrem espaço para outras manifestações artísticas, como performances, música, teatro, exposições de fotos e pinturas. “Agregamos tudo. É um encontro das artes e das pessoas de todos os cantos da cidade”, resume.

No entanto esses movimento não se limitam a Belo Horizonte. Na Região Metropolitana, um dos mais atuantes é o Apoema Sarau Livre. Marcelo Dias Costa, um dos fundadores, não acredita que há uma tendência ou moda, e que esse tipo de sarau vive um momento de reflexão e mobilização social. “O Apoema é um espaço de expressão viva. Foi a maneira que encontramos para que as pessoas se reunissem, já que ultimamente ninguém tem tempo de nada, tudo é muito corrido. E aqui elas prestam atenção umas nas outras. Tanto que temos esse segundo nome: Hora extra é poesia!”, conta.

Marcelo acrescenta que outro papel importante do evento é o fato de oferecer uma oportunidade de arte para a população de Contagem, além de levar a proposta para espaços históricos do município, que nunca tiveram muito acolhimento do poder público. “Para que as pessoas vivenciem esses espaços de forma democrática e que, ao mesmo tempo, ficasse evidente o descaso”, conclui. 


Cooperifa 
A grande referência para os saraus de periferia de Belo Horizonte é a Cooperativa Cultural da Periferia, a Cooperifa, de São Paulo. Criada em 2000 pelo poeta e ativista Sérgio Vaz, a iniciativa paulista realiza saraus e debates e já contou a com a participação de vários poetas mineiros em sua programação.
Antologia
Como parte das comemorações dos seis anos, o Coletivoz está convidando poetas, recitadores e criadores que tenham textos inéditos para participar do primeiro livro do grupo, uma coletânea de poemas dos participantes do sarau. O edital de inscrição está no Facebook do coletivo (facebook.com/coletivoz.saraudepoesia). 

Apoema Sarau Livre – Dia 23, às 20h, Hora extra é poesia!, Avenida João César de Oliveira, Eldorado, Contagem, próximo ao número 751.
Sarau Comum Luiz Estrela – Dia 23, às 19h30 (a confirmar), Espaço Luiz Estrela, Rua Manaus, 348, Santa Efigênia.
Sarau Vira-Lata – Dia 20, Universidade Federal de Uberlândia; dia 24, Batalha do Calçadão, em Uberaba; dia 27, Praça Negrão de Lima, Floresta, em Belo Horizonte; dia 10 de junho, Morro das Pedras, Belo Horizonte. O horário ainda não foi definido
Coletivoz – Dia 11 de junho, às 21h, Bar do Bozó, Av. Djalma Vieira Cristo, 815, Vale do Jatobá, Barreiro

terça-feira, 22 de abril de 2014

Relato de Viagem Bh/SP


O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: Esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, Sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. (Guimarães Rosa)

“A ponte é o que une, e não o que separa”. Ouvi a frase, de um dos Poetas Ambulantes, quando passávamos por debaixo da ponte estaiada, na marginal Pinheiros. Cenário da Rede Globo, de todas as tardes, ela separa. De um lado, ficam os grandes edifícios, e a contracepção de renda sem precedentes. Do outro lado, ficam saraus. Ponto. Ficamos nós de ponto em ponto proclamando poesia; ficam os bares cheios de almas pra salvar; ficam vielas e lonjuras com estreitados aplausos, não fracos, nem cansados, para @ poeta(iza) que acaba de recitar. “Além da ponte”, tem música, no Espaço Comunidade. Além da ponte, há seres de outro planeta, com uma cabeça a prova de mentiras. Não fogem palavras para desmascarar os engarrafamentos, as individualidades (quando a cidade é coletiva, de coletivos), a dificuldade que o amor tem de chegar ao outro lado da cidade. Parece não haver amor em SP. Parece. Não faltam palavras pra descrevê-lo; para reafirmá-lo, como uma flor que se afirma no asfalto. Ele (r)existe apesar da descrença no humano, que também precisa ser feito de pedra, como a cidade que o rodeia; espelha-se nela para sobreviver como igual. O amor está. O amor é. O amor vem nas palavras que saem dos olhos da cozinheira, dona Maria no metrô, com o filho no colo, que recita um lembrado de Drummond, baixinho, sem querer chamar atenção, mas com a boca no prêmio: um livro da Sinhá.

O dia “Um” em São Paulo dos Saraus, nos levou ao Suburbano Convicto. Sarau organizado pelo Buzo e Tubarão, comparsas e anfitriões de peso. Quem nos levou, e ciceroneou nosso caminho foram os amores Carol e Tiago Cabeça (daqui pra frente o leitor deverá ouvir muito essa palavra, “amor”, quando cito nomes como esses). Muitas trocas e parceiros no sarau de aniversário da livraria, que estampa muitos títulos de poetas e escritores periféricos. Não poderia faltar o lançamento mais que especial do livro de coletânea dos Poetas Ambulantes. Fotos lindas das saídas e entradas da poesia pelos transportes coletivos da cidade. Nossa condutora, tutora intelectual e companheira de luta, Débora Del Guerra se propõe a nos alimentar da noite paulistana. “São Paulos os que te erguem, governador”, o nome Estadão me lembra o poeta Tico, Alex. Grande parte das camadas sociais, ali na madrugada, mastigando o sotaque que arrebenta com o “r”, quando os companheiros atendentes, agradabilíssimos e ávidos pela “caixinha”, gritam contentes “Sai mais um perrrrrnil”.

O dia Dois inicia com um encontro mais que agradável, fortuito, frutuoso e afetuoso no almoço com Daniel Minchoni e Debora Del Guerra. A conversa sela ideias compartilhadas sobre a forma que tem tomado a “tal” poesia contemporânea. Minchoni é um tipo visionário que não se limita em apenas apontar uma direção para a (re)criação artística. Ele está em peso (entendam-me...) em tudo que se propõe fazer. Admite-se um performer que dialoga com as cenas poéticas nas instâncias que articula. Sarau do Burro, Selo do Burro, edição e curadoria de vários livros, Slam (menor Slam do mundo, nano Slam e categoria pelé) tudo e um pouco mais nos fez saber. A conversa, ao longo das 4 horas que estivemos saboreando o almoço da Marcenaria, suscitou picos interessantes e nos propôs uma leve suspensão: O que deveríamos fazer em BH com essas ideias compartilhadas? Que ponte? Como unir nossas cabeças? Muitas coisas entre o trânsito de livros e poetas, aqui e lá, ficaram no “como”. Estamos digerindo um pouco ainda, peculiaridade dos mineiros, que come pelas beiradas e precisa entender como os paulistanos vão direto ao centro.

Finda a fome (insustentável) de ideias e, claro, do corpo-estômago, o dia Dois começa a denunciar nossa ansiedade. Via o brilho de responsa que o companheiro DW ressoava a caminho da Cooperifa. João, bem, João ainda um garoto prodígio daquela metrópole. Olhava tudo com a serenidade de quem já vivera ali anos a fio. Sem se preocupar nunca. Uma estranha tranquilidade que invejo. Eu, bem, eu era um retornado. Lembrei-me do livro que deu origem ao nome do Coletivoz “A Floresta em Bremerhaven”, de Olga Gonçalves. Conta a história dos “retornados”. Pessoas que saem de Portugal em busca da ascensão financeira na Alemanha, e retornam a seu país, numa “outra” condição. De empregados, passam a proprietários de uma pensão. É um livro que dá voz aos coletivos; à margem. Da primeira vez, há quase seis anos, fomos Eu, Kaká, Jessé e Ricardo, meu irmão. Voltamos com a missão de criar o Coletivoz. E agora? O que criaremos nessa segunda visita? Mais uma vez, Carol e Cabeça vieram nos pegar. Começamos a atravessar a ponte. A Vila Madalena e seu luxo ignóbil, suas esquinas charmosas e os cães de rua que não há, vão ficando pra trás. As butiques lindas, os restaurantes caros, não menos lindos, os estrangeiros agradáveis e leves do hostel e alguma classe média daquela savassi tresloucada paulistana não sabem o que há para “além da Ponte”. A zona sul vai chegando, junto com a perfeita confusão da periferia. A Bremerhaven distante, que abriga seus retornados. Aqueles que saem em busca de... e voltam a seus lares com... retornados.
No dia Dois fomos Eu, João Paiva, e Eduardo DW, abraçados pela companhia das pessoas amor que já estavam na festa. Ni Brisant, Thiago Peixoto, Eduardo Dias, jeferson Santana, Cabelo, Bruno Marselha. O Sérgio Vaz fez as honras da casa e nos apresentou. Poetas inter[calaram] silêncios, enquanto aguardávamos... a ansiedade baixar, e nossa vez de recitar. De nós três de BH, João foi o mais ovacionado. Arrepiei-me de orgulho do menino prodígio. Senti toda a energia do mundo quando DW tomou o Mic. Era feroz como um tigre, e como todo tigre, não usou o Mic. Não mais tarde, o sarau que completava 13 anos de (r)existência me chamou. Não consegui agradecer com sangue os Sobrenome Liberdade e Poetas Ambulantes. O tempo era pobre de silêncios. Minha fala curta. Fotos, beijos, companheiros de luta se encontrando ao final, a praça proibida, a volta pra casa e empanadas deliciosas e as leves considerações de Debora Del Guerra e Marina em nossa companhia. Só êxtase em agradecimentos.

O dia Três, e cismo a iniciar os dias com letra maiúscula porque foram “nomes”, esses dias em nossa semana. Têm certidão de (re)nascimento na caminhada do Coletivoz e Cabeça Ativa. Rumo ao novo. Era dia da saída com os Ambulantes da poesia. Na catraca da estação Faria Lima do metrô, uma oração poética e emocionante recobrava os nossos esforços, e fazia lembrar por que estávamos ali. 25 poetas, entre eles, ávidos e implacáveis Gracco Liveira, Victor Rodrigues, Lu’z Ribeiro, Cuca de Sabre com quem dividi maior contato no durante. “Uma vez poetas ambulantes, e nada mais será como antes!” Essa era sempre a ressalva depois de nos lançarmos à poesia dentro dos coletivos. Lembrei-me do teatro popular da Cia. União do Olho vivo e ensinamentos de Cesar Vieira. O público-povo, ou o povo-público estava ali, esperando. E ele está ali todos os dias, distantes da realidade que os cercam. Cansados do dia e das distâncias, sem tempo pra poesia. Nossos teatros, muito das vezes avolumam-se longe deles. Não os querem. São apenas trabalhadores. Ali no trem, metro ou ônibus são cidadãos, como nós poetas. Estamos juntos na mesma condição. Condução que nos levou até o sarau irmão, o Sobrenome Liberdade. Não menor ansiedade; não menor desejo; não menor alegria de ver os justos Bruno e Cabelo encenando e fazendo valer teatro; Minchoni no funk espetacular, e Michele no poema coração; Ni Brisant como maquinista afoito e carinhoso; Maníssimo Ril que me fez chorar de novo, com o troco; Cabeça e Thiago Peixoto na dobra rimada. O doce das meninas Sinhá, Mel, Mari, Pri, Loredana, e tantas outras parceiras de revelações fortes, também contundentes como a impressionante Lu’z Ribeiro me fez subir ao palco, mais elevado do que quando cheguei. Mais tarde, no ônibus essa mesma mulher forte e negra de luz venceu uma batalha histórica contra o machismo dentro do ônibus. Rimou seu ódio com a elegância de uma guerreira, para desbancar com poesia, um degenerado filho da puta, que se arriscou não entender em que mundo estamos, quando depreciou, em falas chulas, sua “mulher objeto”. Mais uma vez senti que a poesia vale a pena. Não é todo dia que ela vale tanto. Obrigado Lu’z, por ser uma mulher dentro do ônibus na madrugada. O final da linha era o Sintonia, baile Black, e cheio de energias dançantes. Estavam, agora, em sintonia, mente e corpo.

O dia Quatro foi diacrônico. Bruno Marselha nos serviu de condutor, ponte, até o sarau Verso em Verso. O Espaço Comunidade, comandado por Diko e seus parceiros é uma casa de arte pra nós. Já na subida na favela limpa e organizada do Monte Azul, reparei nos cachorros e fiz um verso: “Os cachorros cambaleantes dessintonizam as ruas”; ou “os cães cambaleiam a rua”; ou ainda, “os cães deixam as ruas cambaleantes”. Sarau aconchegante, plantas no espaço, manjericão cheiroso à porta de entrada. Outras plantas e aromas vieram das palavras. Muitos poetas e lançamentos, como de costume. Afiancei-me ao poeta Casulo, de quem trouxemos um livro no escambo com cd’s da Corte. Funileiro poeta, dispensou-nos atenção e apreço. Diko também se aprochegou e humanizou com os mineiros.

Atravessar a ponte de volta não foi fácil. Ônibus não havia, quando houve, nós não havíamos pra ele. Fica em nós um coração do tamanho do mundo do companheiro Jefferson Santana, que esperou e cuidou de nós até o “haver”. Obrigado Jefferson Alegria, companheiros se fazem em qualquer madrugada fria.
O dia Cinco foi de espera. Espera da efervescência dos últimos dias passar; espera da feira, que se armou diante do hostel, acontecer e apaziguar minha nostalgia por pastéis e temperos; espera por dias de luta nas semi-distâncias de Belo Horizontes. Esperamos a despedida feliz dos amigos que foram nos buscar: Carol, Cabeça, Thiago Peixoto, Cabelo, Bruno e, na rodoviária, ainda, Eduardo Dias, Michele e Jefferson Santana.

A volta foi de descanso. Nada de corpo, nada de vozes, nada de poesia. Poucas risadas, tensão de chegada, reconhecendo o estranhamento alheio dos parceiros, irmãos ali exaustos. Somos anônimos esgotados pela distância. Não há poesia. Lembro-me com angústia do companheiro bahia, atendente da lanchonete que almoçamos no último dia. Quase humilhado pelo patrão por um erro de comunicação. Falamos de poesia, ele de almoço; falamos de liberdade e suspensão da vida, ele de servir bifes. Não há comunicação. A poesia ainda está muito distante de ser útil. Ela não serve a todos, só a quem ela escolhe pra servir.

À luta, à voz!



terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Tiros na Broadway? Não, no Independência!

Por Rogério Coelho

Ah, nada como a naturalidade do gangsta de Woody Allen, que ora esbalda a sensibilidade e ideologia, reformula a peça de teatro, ora dispara seus tiros, sem menor estupor, justificando seus “ossos do ofício”, em Bullets over Broadway.  Aqui, na periferia do barreiro, são traficantes em disputa por território, não por diferença ideológica, mas por afinidade à ela. Indiferentes à arte de matar, cunham seu espaço que não é medido por ruas, mas por uma contaminação viral de suas bocas e revendas de drogas. Estão em guerra.  O que há em suas bocas? "Ceci n'est pas une pipe". Magritte estaria bem feliz, se aplicasse sua semiologia na boca rachada e preta dos noiados daqui. Isso não é um cachimbo, é pobreza. Na arte, na política, no sexo, no ônibus, no “todo dia” travamos uma luta pela diferença de razões. Os guerrilheiros urbanos sem estrela, boinas, ou ditador enrijecem seus ossos no ofício de ser vida loka. Sem tempo pra filosofar.

Hoje ouvi mais tiros. Um círculo de fogo se formou no entorno de nossa casa. Ainda tive chance de ver um policial descarregar a arma para parar um veículo suspeito. Eu estava na janela. Balas resvalando no asfalto, saindo em toda direção. Por um átimo, desejei levar uma, bem na testa. Bem no dia da independência... Ops, estamos no Independência, e o trocadilho com a América me fez pensar que eu podia ser condecorado como herói de guerra. Sobrevivo no bairro Independência há quase 30 anos. E já passei por muitos tiros. Iniciei bem meu filho que já testemunhou seu primeiro assassinato. Viu da janela um homem ser esfaqueado em frente de casa. Fiquei todo orgulhoso dele. Testemunha ocular aos 12 anos, não é pra qualquer um. Nenhum Hitchcock por detrás das venezianas, mas olhos atentos aprisionados atrás das grades. Nós é que estamos na acoita. E na realidade não há investigação fustigosa pela morte do qualquerum.  Depois já presenciou também uma tentativa de homicídio. Desta vez, foi o dono do supermercado. Nessa eu estava. Todo ensangüentado ainda tentava falar ao celular com a polícia, descrevendo os clientes-meliantes-clientes.

No ócio de meu oficio da escrita para teatro, saio do computador, e enquanto falo ao celular ouço os tiros mais distantes. Emudeço. “sou um inimigo do povo”, penso condenando-me por ser ouvinte passivo, conservador, que se assusta com tiros e não denuncia. Ibsen me tranqüiliza com seu título homônimo. Isso só quer dizer que sofremos o mundo que nos cerca, e que somos inimigos por que temos ideais que trombam com a especulação, a corrupção, com o consumo, com a pauperização da riqueza, e com o enriquecimento da pobreza. Na periferia de Ibsen minhas idéias são mais claras do que na minha quebrada. Aqui tudo está em movimento. Não sei de que lado ficar. Deslocam-me os sentidos pois o lugar da guerra muda muito rapidamente. Na periferia vivemos sem geografia, como no teatro pós-dramático. A quebra da ação contínua, própria do drama, não nos deixa agarrados ao fato; à história em si. Não é novela, não dá pra seguir, só pra ser surpreendido. Tadeusz Kantor me diz que o cenário está ideal para o imprevisível. Não há objeto artístico aqui também. Janelas, ruas, muros, corações são modificados pela violência. É a realidade do nível mais baixo. Os tiros ficam mais altos. Eles começam a chegar mais perto. Minha companheira do teatro do outro lado da linha me diz pra conversarmos depois, quando lhe dou a notícia. Como se eu tivesse que me proteger. Do quê? Como? Do meu texto, que tem que vencer e disparar contra os tiros? Continuamos. Dei um tom de tranqüilidade na despedida. “A gente se fala amanhã, tchau”. Amanhã.

Aos tiros, minha mãe, liga pros meus irmãos. Estavam bem e em casa.

Alguns traficantes rivais fizeram, durante o final de semana, suas trocas; seus jogos de fogo. Três mortos a um, dizem. A pendenga está desigual. Vai ter noite quente de novo. Um toque de recolher é naturalizado pelos tiros. Os olhos se avizinham, nas janelas, sacadas, beiras de ruas. Recontam o que viram, gesticulam atuando, teatralmente o que não se consegue repetir num palco. Recorto todas as frases e ctrl+v no PC. “ele mandou o carro parar, assim, e meteu bala...”. Sirenes intermitentes, e agora o helicóptero. Não podia faltar. Só vem em caso extremo. “A luz tá vindo pro lado de cá, ó”, alerta minha mãe. “Não sobe na laje, se não eles acham que é suspeito”, avisa meu pai. A luz. Uma esperança que todos esperam. Quando a luz vem é um sinal. “Agora ele tá mais baixo, Rogério. Tá bem baixo”, minha mãe tá excitada, entre ligações e janela, falam sobre a luz. Um círculo de fogo, depois um círculo de luz. Qualquer introdução dessas poderiam dar num capítulo bíblico. Faltou chover, para banhar a terra e fazer nascer os homens... mas, eles estão amoitados. Não podem nascer agora que os Hômi tão de cima. Os refletores baixam. Iluminam a cena do céu. Um espetáculo com dramaturgia bem arranjada, coesa, sem ruído. Os conflitos estão todos nas tensões formais da cena com os expectadores. Eles também são atores, vê-se bem os coringas do Boal saindo à porta de suas casas. Mostrando-se e assuntando feliz, por ter participado da cena. Testemunha que nunca vê rosto de bandido, mas que tem sua história bem resolvida na ponta da língua. Ao menos daquilo que ouviu.

O silêncio demora voltar. Hum, como se ele fosse um estabelecimento; uma instituição. O silencio na periferia é uma exceção. O ônibus chia, o funkeiro chama, o filho chora, a mãe chora, o tiro soa, o helicóptero ilumina. Os sons da cena compõem uma trilha difícil de prever.

É tudo uma criação de algo superior. Sim, essa dramaturgia só pode ter sido escrita por ele. Se me apetecesse rezar agora, rezaria pra ele, pedindo que me desse um curso de dramaturgia. Diria: “Que curso sigo agora na minha escrita?” Emudeço. Paro de escrever. Pergunto-me: depois dos tiros, quem vai acreditar na minha ação dramática? Que dia serei capaz de atingir tal grau de composição? Como me aproximar esses nóias daqui, num Macheath, do Brecht, e dar a ele o glamour do ser contraditório e fundamental para a sociedade capitalista que o criou? Não, não conseguirei. Mas, talvez... Talvez, quando eu não me levantar pra especular a vida a meu redor, e fixar no meu trabalho... Quando eu não me deixar abalar por um tiroteiozinho, e me concentrar numa peça de teatro. Sim, e começar a me acostumar. Sim, no dia em que ouvir tiros na periferia for somente uma cama sonora que irá me inspirar a escrever, e quando eles não forem “naturais”, ou seja, ao vivo, vou ter vários temas gravados, de minha própria janela. Assim, quem sabe eu conseguirei falar sobre as coisas mais belas e desimportantes desse mundo. Falarei sobre flores, e as aflições dos amores, sem ser complexo; absurdamente superficial; sobre o sofrimento da alma humana, e da dor não obstante da alegria que dela advém; Da comédia da vida de casado; da desgraça cômica da pobreza. Talvez eu consiga fazer com que meu teatro ridicularize espectros sociais como os negros, homossexuais, mulheres objetais, e consiga dizer que isso tudo é natural. Riam! Talvez meu teatro sobreviva dando risadas dessas mazelas que eu mesmo criarei. E a reproduzirei a milhares de espectadores, também acostumados aos tiros, que irão ao teatro apenas para se divertir. E quem sabe eu dê alguns tiros no palco também um dia, como forma elevada num improviso de uma de minhas comédias sem limites, e mate alguém da platéia. Serei agraciado pela crítica: “Uma comédia de matar de rir!”

Talvez eu chegue à Broadway, e dê alguns tiros por lá também, bem diferentes do meu querido Woody.


segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Coletivoz 2013



Assim começaremos o ano de 2013, permitindo que a poesia esteja impregnada em nossas almas. Que a mudança não aconteça somente no calendário, que a mudança aconteça no olhar, no toque, no beijo, na sensibilidade, no ouvir, no viver. Entretanto, caso não seja necessária a mudança, que se mantenha o que é doce, o que é leve, o que eleva, o que revela, o que favela, o que celebra, o que dança, o que contempla, o que respeita e principalmente o que ama. Dentro de tantas palavras é certo de que duas serão mantidas como base para que as outras possam chegar.


à luta, à voz!

DW/ Coletivoz