sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Minha janela

Rogério Coelho

Minha janela está acima de minha cabeça. Todos os dias em que olho para ela, tenho uma sensação de que ela não olha para mim. Não me agrada muito a única galha de ipê amarelo que vejo no enquadre que a janela me reserva. A galha fica mais viva quando é primavera. O amarelo traz qualquer diferença que consigo gostar. Mas é do outono que eu gosto mais. Aqui, as folhas não secam e caem como nos filmes americanos, em que vemos as ruas repletas de pardo das folhas envelhecidas, secas e nostálgicas.

5 anos, desde que o acidente me deixou nessa cama. Saio pouco. Tenho preguiça, principalmente agora que vejo que o empenho das pessoas em me levar/trazer se transforma em obrigação. No começo, todos me carregavam para todos os lados. Depois, o dinheiro e disponibilidade desapareceram. Não há culpados. Há vida em tudo isso. Vida, para mim, não significa apenas que devemos ter vivacidade sempre. Pressupõe um pouco de morte também. Vida é também morte. O que seria de uma sem a outra? Neste momento em que escrevo sobre minha janela, minha vida é o movimento que a galha se dá.

Outro dia quase enlouqueci. A galha sumiu de repente. Só havia um nublado no céu. Cortaram? Quebrou-se? O que houve? Ficou assim por longos 15 minutos. Sabia quantas galhinhas nasciam; quantas flores novas; quantos brotos. Quinze minutos sem ela era agonizante. Soube depois que um moleque entortava na embolada de pipa, linha e rabiola. Imagino que puxou, puxou até arrebentar a linha da pipa que ficara agarrada no Ipê. Subiu na árvore, e com um bambu libertou a galha e sua pipa. Isso eu vi. Uma pipa amarela e verde, dançando junto com a galha até se soltar. Já estava meio escalavrada a pipa, furada. Duvido que voltaria a voar com destreza. Mas, me lembro que qualquer que fosse a pipa, que voam longe cortada, era quase um prêmio, quando a alcançávamos. Cercas de arame farpado nas costas, matagal, milharal, plantações de batatas e mandiocas vencidas no xingo brabo de que tomava conta... Ada disso era obstáculo para um papagaio mandado embora.

post/ Kaká Pimentta

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